
A goiana Juraci Santana olha para trás e reconhece: cada ruptura, cada dor e cada renúncia foram necessárias para que hoje pudesse viver com verdade. Sua trajetória é marcada por coragem e escolhas ousadas, mas, acima de tudo, por um profundo compromisso em não se calar diante do chamado da própria alma.
Formada em Direito, com diploma convalidado pela Universidade Francisco de Vitoria, em Madrid, construiu no Brasil uma carreira sólida. Durante mais de 15 anos atuou como Notária e Registradora de Propriedade uma posição respeitada, de prestígio, cercada por títulos e estabilidade. Era a “doutora Juraci”, admirada por todos. Mas por dentro, carregava um vazio.
“Aos olhos dos outros, eu tinha tudo. Mas, por dentro, eu não me encontrava. Meu coração pedia um novo começo”, conta.
Esse início de virada veio aos 33 anos, após enfrentar um divórcio e encarar de frente o peso de uma vida que parecia perfeita apenas no papel. “Eu estava vivendo a vida que esperavam de mim, e não aquela que eu realmente sonhava viver”, lembra. Foi nesse momento que decidiu escutar o chamado que a acompanhava em silêncio desde a juventude: conhecer o mundo, recomeçar em outro país, buscar a própria verdade.
Uma travessia de fé
Embarcou sozinha para a Espanha fisicamente, porque emocionalmente não estava só. “Naquele momento, decidi que o mundo para aquele ser que crescia em meu ventre seria diferente. Que ele teria a oportunidade de viver uma história com mais possibilidades, mais segurança e mais liberdade”, relembra, referindo-se ao filho João Vitor, que ainda carregava no ventre.
A mudança foi um ato de amor, mas também de fé. Teve o acolhimento de dois irmãos que já viviam na Espanha, mas foi a espiritualidade que lhe deu forças para atravessar os desertos emocionais. “Quando se caminha em direção ao propósito, até o silêncio tem sentido, e até o desconhecido tem direção”, diz.
A Espanha parecia o lugar certo: segurança, qualidade de vida e a chance de reconstruir-se com dignidade. Tudo estava planejado documentos em ordem, contatos feitos, até uma promessa de trabalho no Consulado do Brasil. Mas, poucos dias após a chegada, veio o primeiro grande baque: aquela oportunidade não existia.
“O chão se abriu. Tive que recomeçar do zero: novo idioma, nova cultura, nova vida. Chorei. Arrependi-me. Tive medo. Mas permaneci. Voltar seria fracassar.”
Do Direito à Gastronomia
Determinação não lhe faltava. Convalidou o diploma de Direito, mas percebeu que a carreira jurídica já não fazia sentido. Foi um luto silencioso. “Era difícil aceitar que algo que me trouxe tanto prestígio não fazia mais parte de quem eu era”, confessa.
A dor, no entanto, abriu espaço para novos começos. Juraci formou-se em Gastronomia pela Universidade das Ilhas Baleares, trabalhou em hotéis cinco estrelas, em restaurantes renomados, e mais uma vez se reinventou. “Dessa vez, com consciência e coração alinhado ao propósito”, ressalta.
A descoberta da escrita
Mas a grande virada ainda estava por vir. Desde a infância, a leitura era seu refúgio. Aos nove anos, já trocava bonecas por romances. Lia compulsivamente de clássicos da literatura a livros de desenvolvimento pessoal, como Pai Rico, Pai Pobre, O Segredo, A Arte da Guerra, além da Bíblia e as obras de Paulo Coelho. “Essas leituras foram minhas bússolas internas. Elas me ajudaram a expandir a consciência, entender minhas emoções e cultivar coragem”, diz.
Em 2021, finalmente sentiu o chamado: era hora de escrever suas próprias histórias. A escrita, que sempre esteve latente, tornou-se missão. “Escrevo com alma, com entrega. Quando nos expressamos com verdade, abrimos portas não apenas para nós, mas também para quem nos lê.”
Em 2024 participou do livro Pérola Negra, uma coautoria que a introduziu no universo literário. Logo depois lançou Laços Além dos Contratos e, em seguida, Recomeçar aos 40+, um título que dialoga diretamente com sua própria trajetória. Paralelamente, passou a conduzir mentorias, workshops e o projeto Live Voz & Verso, no Instagram, onde compartilha reflexões e histórias que inspiram outras pessoas a viverem com autenticidade.
Desafios de uma transição
Abandonar uma carreira consolidada para seguir a escrita e o propósito não foi fácil. Houve medo, solidão e julgamentos. “A maior barreira foi romper com uma trajetória sólida para me reinventar. Foi uma transição com propósito, não apenas de profissão, mas de vida”, explica.
Ela também enfrentou o desafio de se despir das máscaras: a mulher forte o tempo todo, a que agradava a todos, a que sorria mesmo com dor. “Eu conheço cada uma dessas máscaras porque já vesti todas.”
Mas foi ao escrever e compartilhar suas vulnerabilidades que encontrou força e identidade. “Percebi que títulos engavetados não mudam vidas. O que transforma é colocar conhecimento e experiência a serviço do outro”, afirma.
A virada de consciência
O momento de maior virada, segundo Juraci, foi quando se enxergou de verdade. “Sem máscaras, sem justificativas. Entendi que viver no automático, atendendo às expectativas dos outros, estava me apagando por dentro. Esse foi o divisor de águas. A dor me fez parar e escolher um novo caminho com verdade.”
Esse despertar consolidou o propósito de guiar pessoas, especialmente aquelas com mais de 40 anos, a recomeçarem com coragem. Em suas mentorias e livros, ela convida a remover as máscaras invisíveis que aprisionam como a autossuficiência, a positividade tóxica ou a falta de tempo para sonhar.
O impacto do propósito
Hoje, seu trabalho impacta brasileiros e estrangeiros que atravessam suas próprias transições. A escrita, as mentorias e as lives criam espaços de escuta profunda, acolhimento e inspiração. “Meu diferencial é que não ensino teorias. Eu falo a partir da vida. Eu vivi o que compartilho. Não ofereço fórmulas prontas, mas presença e caminhos reais.”
Juraci não romantiza a imigração. “Empreender ou recomeçar em outro país é lindo, mas também é doloroso. É preciso coragem, resiliência e planejamento. Não espere o cenário perfeito ele não existe. Mas cada passo, por menor que seja, constrói algo maior.”
Olhando para o futuro
Os próximos passos de Juraci refletem sua visão de expansão. Ela deseja consolidar-se como palestrante internacional, compartilhar sua história em eventos que inspirem pessoas maduras a recomeçarem e lançar novos projetos literários. Também sonha em criar uma comunidade digital para pessoas 40+, um espaço de pertencimento, apoio mútuo e crescimento com propósito.
“Quero olhar nos olhos de quem já não acredita mais em si e dizer: você não está sozinho e nunca é tarde para recomeçar.”
Com 25 anos de Espanha, casada com Antonio Alonso e mãe de João Vitor, que hoje vive na Dinamarca, Juraci carrega a certeza de que sua história é apenas o começo. “Meu maior objetivo é continuar sendo um instrumento de transformação. Que minha trajetória abra caminhos para que outros também tenham coragem de escrever uma nova história com verdade, com liberdade e com propósito.”
Instagram: @juracisantana.escritora








